Um dos significados do verbo trair é: incapacidade de ser fiel a alguém, violar ou romper algum compromisso, regra ou acordo. Para muitos casais, a infidelidade é o maior dos pesadelos, um trauma que acarreta angústia e sofrimento. Mas para outros, pode representar um renascimento. Se os parceiros acreditam que vale a pena continuar juntos, a crise que se instala com a “pulada de cerca” também pode ser bem administrada e até melhorar o relacionamento.
Superar a traição parece ter sido o caminho escolhido pela humorista e apresentadora de televisão Dani Calabresa e o marido, o humorista Marcelo Adnet. Flagrado no início do mês por um paparazzo beijando outra mulher em num bar da Zona Sul do Rio de Janeiro, Adnet, diante da superexposição do flagrante na mídia, assumiu publicamente o erro, afirmando que o problema seria enfrentado com amor e união.
Na bancada do CQC, Dani Calabresa fez seu “pronuncimaneto” encerrando o assunto: ““Tem muita gente se metendo na minha vida. Deixa eu falar uma coisa pra esses pentelhos. Às vezes as pessoas erram”, disse em rede nacional.
Apesar da atitude, ele tem sido hostilizado nas ruas e nas redes sociais por internautas que tomaram as dores da apresentadora. A repercussão foi tanta que o caso entrou para o ranking do twitter como um dos assuntos mais comentados no país. O caso levantou o debate sobre a forma como os casais encaram o adultério nos tempos atuais, quando as relações estão mais instantâneas.
A recepcionista Fernanda Davim, de 34 anos, tentou superar as sucessivas traições do ex-companheiro para levar adiante o sonho de ter uma família. Procurava não dar tanta importância aos sumiços repentinos e aos registros de ligação para outras mulheres no celular dele. Mesmo assim, o relacionamento não foi em frente. As mentiras e a falta de carinho e de amizade pesaram com o passar do tempo. Foram sete anos de brigas entre idas e vindas.
“Quando o conheci, achei que tivesse encontrado o homem da minha vida. Mas não demorou muito para ele começar a ter um comportamento dissimulado. Cheguei a ser alertada por vizinhos sobre as traições, mas preferia não ir atrás. O medo de perdê-lo era maior”, admite.
Fernanda conta, ainda, que passou por situações que considera limítrofes dentro da relação, uma vez que o ex-companheiro a traía com pessoas próximas do bairro que ela morava e a conheciam.
“A amante passou a me perseguir na rua para dizer que estava com ele. Fiquei perplexa, até porque eu era muito nova. Não sabia como agir. Diante da situação, coloquei um de frente para o outro. Ele negava e ela afirmava. Briguei muito, fiz escândalo, mas depois de uma semana, perdoava. Depois, vieram outras traições. Mas eu sempre reatava. Me casei e as mentiras continuaram. Só quando eu engravidei é que tive coragem de mudar esse jogo. Vi que aquilo não era amor e decidi me separar”, revela Fernanda. “A coragem para o rompimento se deve, sobretudo, ao resgate da autoestima. Emagreci, comecei a trabalhar e, com isso, me senti mais segura para seguir em frente”, diz.
A autoestima também foi a saída que a jornalista E. W, que prefere não se identificar, encontrou para tentar dar a volta por cima. Mãe de dois filhos, ela confessa que “perdeu o chão” quando descobriu a traição do marido.
“Fiquei indignada e com uma tristeza profunda. Achava que meu casamento era perfeito. Descobri por meio das mensagens no celular que ele estava me traindo. Fui atrás e consegui desvendar tudo: o nome dela e em quais circunstâncias os dois se conheceram. E fui ficando com um sentimento de vingança muito forte, ódio mesmo. Queria acabar com ele e ela. Fui ao fundo do poço. A sensação que eu tinha é que estava com um inimigo dentro de casa”, desabafa.
A jornalista lembra que sua vida conjugal ficou por um fio. “Perdi a confiança nele. Não acreditava em uma só palavra que ele dizia”, lembra E.W. O marido, arrependido pelo erro, precisou ter paciência para reconquistar a credibilidade e o amor da esposa: comprou pacotes de viagens em cruzeiros para irem com os filhos, todo fim de semana era um passeio diferente, ligava a todo momento e vivia reafirmando o amor que sentia. Ela, por sua vez, procurou ajuda de uma psicóloga. Com as terapias, foi mergulhando num autoconhecimento e redescobrindo seus valores.
“Voltei para a academia de ginástica, botei silicone, fiquei com o corpo que eu queria. Me reinventei. Mas confesso que, para mim, essa história ainda não está completamente resolvida. Ainda tem dias que acordo e vou dormir pensando no que houve. Me senti muito humilhada. Foi um divisor de águas no meu casamento. Continuamos juntos porque chegamos à conclusão de que ainda havia amor entre nós e, também, porque pensamos nos nossos filhos. Já se passaram dois anos deste episódio e ainda carrego os traumas desta experiência”, afirma.
“Eu já perdoei, mas não consigo esquecer”. Segundo o psicanalista Lenilson Ferreira, essa é uma das frases que mais escuta de seus pacientes em relação à traição nas terapias de casal. Para ele, quando há o prolongamento da dor é porque a pessoa que foi traída revive a situação para conseguir superar o luto. Nestes casos, é indicada a terapia com um especialista.
“Há pacientes que não conseguem falar abertamente sobre o caso na frente do parceiro. Por isso, há o atendimento com os dois juntos e, também, com eles separados. Para o casal, a fidelidade ainda é um valor muito forte, denso e orgânico. Não tenho visto nenhuma tolerância em relação a isso com o passar das décadas. Ao contrário. Vejo meninas que dizem ‘não vou passar o que a minha mãe passou’. A essência do amor ainda é a exclusividade. Na modernidade, surgem novas formas de se relacionar: tem o relacionamento aberto, o poliamor... Entretanto, quanto maior é o compromisso, o envolvimento afetivo, maior é o desejo que o parceiro seja fiel”, diz Lenilson.
De acordo com o psicanalista, o que mudou foi o perfil de quem comete a traição. Se antes o público masculino era o maior vilão, agora já não é bem assim. As mulheres também estão traindo tanto quanto os homens, “uma mudança que começou a ocorrer na metade do século passado, quando elas passaram a lutar por direitos iguais”, atesta.
O especialista enfatiza, ainda, que os casais chegam à terapia tentando superar o trauma em nome do amor. Entretanto, os homens têm mais dificuldade em expor a traição de suas parceiras. Até o fechamento desta edição, por exemplo, não houve um homem que se habilitasse a conversar com a equipe de OFLU Revista, apesar da garantia do anonimato.
A iniciativa de procurar a terapia, na maioria das vezes, ainda é das mulheres. Pessoas como a advogada Mônica Christie, de 43 anos, que ao descobrir a infidelidade do marido, procurou apoio terapêutico e, com as análises, conseguiu jogar as cartas na mesa:
“Com a ajuda do terapeuta, consegui tomar a iniciativa de chamá-los para um diálogo franco e aberto. Sentamos, os três, e conversamos sobre o que estava acontecendo: eu, o meu marido e a amante dele. Não foi um beijo ou uma noite. Os dois estavam juntos. E era uma pessoa do trabalho dele. Lutei para reconquistá-lo. Quando ele ficou doente, a amante foi embora e aí ele viu que aquilo não era amor de verdade e, sim, uma aventura. Ele percebeu que eu , sim, era a mulher dele, e aí aconteceu o inesperado: depois de 19 anos de relacionamento e dois filhos, ele me pediu em casamento”, comemora.
Especialista em relacionamentos afetivos e diretora da agência de namoros Eclipse Love, Eliete Amélia de Medeiros vê semelhança no caso da advogada e da apresentadora de TV Dani Calabresa:
“A Mônica, assim como a Dani, mostraram que são mulheres muito bem resolvidas, com autoestima elevadíssima e que se amam acima de tudo. Estes exemplos nos mostram que cada um pode e deve viver o amor e a cumplicidade com o parceiro da forma que for conveniente”, afirma Eliete.
Depois de tudo que passou, Mônica consegue ver algo de positivo no enredo desta história: “Meu casamento é muito mais forte agora. Temos certeza do que sentimos um pelo outro e, agora, vou realizar um sonho: casar vestida de noiva com o homem que escolhi para viver, na alegria e na tristeza”, conclui.
"Sentamos, os três, e conversamos sobre o que estava acontecendo: eu, meu marido e a amante dele. Não foi um beijo ou uma noite. Os dois estavam juntos. " Mônica Christie, advogada
O Fluminense